29.6.07

LAPSU

Falaram-lhe de “ácidos úricos”, “triglicerídeos”, “diabetes”, para ele figuras misteriosas de uma qualquer família mítica oriunda dos Olímpos Gregos.
Friamente, colocaram-lhe na mão um “boião” opaco, de tampa encarnada, ao mesmo tempo que o encaminhavam para o impessoal sanitário.
Assustado com tais “apelidos” aproveitou a intimidade do local e aliviou o aperto urinário que o acompanhava já da outra margem. Entre os dois dedos... de conversa trocados com um “atrofiado da próstata” esqueceu-se da finalidade do acto para o qual o ali mandaram, valendo-lhe, na sua boa fé, o gel de mãos, amarelado, que escorria da parede.
Foi, após os primeiros resultados laboratoriais, internado de urgência e ligado à força a tubos e monitores!


(Ele, que apenas ia ao centro de saúde “pedinchar” uns preservativos para a noitada da queima das fitas.)

22.6.07

STELLA

Caminho pela areia rendido à estranha violência de uma água que teima em me trucidar a carne.
Vislumbro conchas disformes pelos humores de ondas sádicas...
pedaços de madeira de barcos torturados...
cordas desfiadas que não suportaram um enforcamento...
cadáveres putrefactos de gaivotas que sucumbiram ao tédio.

Pelos trilhos de uma “Estrela” fria, agreste, granítica, faço por esquecer um outro mar, mais meigo, mais doce, mais quente... que já foi nosso.

15.6.07

EXAGIU (DUO)

Ensaio a pose com que te vou reencontrar.
As palavras. O tom da voz.
Procuro o perfume do primeiro encontro.
A mesma camisa sobre a descontraída ganga que beijava ao de leve os “mocassins” azuis-escuros.
As estrelas do céu, que partilharam o nosso olhar, o nosso encontro de mãos, o nosso beijo... lá estarão.
Pouco falta para tão esperado momento. Eu, ansioso...

acordei, contrariado, pela língua meiga do “Pluto” que insistentemente me acariciava a mão.

8.6.07

ESSENTIA

Na ausência presente de um tempo passado,
reavivo passados presentes de corpos ausentes.
Begónias, Camélias, Rosas... Flores.
Essências únicas, de “Grasse”…

acordam, de quando em vez, libertando odores à muito adormecidos.

1.6.07

EXAGIU (UNO)

O ranger da apodrecida chapa de ferro suspensa no carcomido poste da beira de estrada despertou-me do repetitivo e letárgico enamoramento partilhado com a máquina. Pedalava por sobre nuvens, mares, jardins e desertos, abstraído por completo da realidade envolvente.
O ranger da apodrecida chapa de ferro, suspensa no carcomido poste da beira de estrada, arrastou-me para um cenário (i)real de “cowboys” e poeiras, cavalos e diligências! O xerife, com parecenças de Clint Eastwood, empunhava o revólver direccionado a um fora de lei à muito procurado (e da porta do “Saloon”, o taciturno cangalheiro lançava um olhar, de soslaio, na esperança de que os ruídos do piano e os gritos estridentes das “meretrizes” lhe soassem a finado).
O sol, ainda tórrido, já se despedia da pradaria...

deixando-me a pedalar por sobre nuvens, mares, jardins e desertos, abstraído por completo da realidade envolvente.